Todos os dias, cerca de cinquenta e-mails chegam à caixa de entrada do empresário paraibano Janguiê Diniz vindos de alunos das instituições do grupo Ser Educacional, fundado por ele há 13 anos. As demandas são diversas, mas o tratamento é comum. Informal e acessível, Janguiê gosta de ser chamado de professor, apesar de já ter exercido as funções de juiz e procurador do trabalho em Recife. “Os alunos me vêem como um exemplo e isso me enche de energia”, diz. A identificação não acontece por acaso. Embora as instituições do grupo que inclui UniNassau, Faculdade Joaquim Nabuco e Universidade Guarulhos, para citar alguns exemplos, tenham perfis diversos, a maioria dos estudantes é composta por jovens trabalhadores entre 21 e 26 anos das classe média e média-baixa. Janguiê também foi um deles. Quando criança, trabalhou como engraxate e vendedor de laranjas. Na adolescência, mudou-se para a casa de um tio na capital pernambucana, onde trabalhou como datilógrafo e conseguiu se formar em Direito pela universidade federal. Foi lá que criou um curso preparatório para concursos públicos e deu início à companhia que se tornaria líder em educação no Norte e Nordeste. Se tudo der certo, em breve Janguiê abandonará o hábito de se corresponder com os alunos por e-mail simplesmente porque eles serão muitos.
Na semana passada, a Ser Educacional fez sua mais ousada investida ao propor uma fusão com a Estácio, segunda maior empresa de ensino superior privado do Brasil e com um número de alunos quatro vezes maior que a Ser. Dessa combinação, nasceria uma corporação de R$ 4 bilhões em receita, com enorme potencial no ensino à distância (até o fechamento desta edição, a Estácio e seu presidente, Rogério Melzi, não haviam aceitado nenhuma proposta). A nova empresa ainda seria menor que a Kroton, líder do mercado e primeira a fazer uma oferta pela Estácio, mas obrigaria as concorrentes a se movimentar num setor já bastante dinâmico em fusões e aquisições e que tem passado por um período de transição, devido aos recentes cortes no Fundo de Financiamento Estudantil (Fies). O programa do governo federal foi peça-chave na expansão do mercado nos últimos anos. Em 2010, segundo o Observatório do Ensino do Direito da Fundação Getulio Vargas, as instituições privadas receberam R$ 880,3 milhões via Fies. Em 2014, esse montante saltou para R$ 13,7 bilhões. “A indústria sentiu um choque com o congelamento dos pagamentos do Fies no ano passado”, diz Bruno Giardino, analista de educação do Santander. “Mas, em 2016, houve uma sinalização de que os pagamentos seriam honrados no prazo e as empresas voltaram a pensar em comprar.”
No início do ano, os rumores eram de que o alvo da Kroton seria a Ser. “Já recebi inúmeras propostas tanto de grupos nacionais quanto estrangeiros”, afirma Janguiê. “Não aceitei, porque meu objetivo não é financeiro. Esse é um projeto de vida. A educação transformou minha vida e pode transformar a de todo mundo.” Em junho de 2014, o professor entrou na lista dos bilionários organizada pela revista Forbes com uma fortuna estimada em US$ 1,1 bilhão, mas garante que não é um homem de negócios. O acompanhamento das ações da empresa na bolsa de valores (“vez ou outra as pessoas me dizem que subiram”) não é tão frequente quanto a visita aos campi, aos seminários, congressos e atividades esportivas promovidos pelas instituições do grupo.
“Meu sonho é proporcionar educação de qualidade para o maior número de pessoas a um preço acessível”, diz. A política agressiva de preços das faculdades particulares, ao lado da expansão desenfreada de cursos e vagas, está no centro das críticas sobre a baixa qualidade do ensino nessas instituições. O economista e ex-presidente do Instituo de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea) Marcio Pochmann chegou a classificar o fenômeno como uma “indústria de certificação”. As empresas, em contrapartida, dizem que, quanto maiores elas são, maiores são os ganhos de escala e os investimentos em tecnologia, fundamentais, sobretudo, ao ensino à distância. Autor de 15 livros – o mais recente foi a autobiografia “Transformando Sonhos em Realidade”, lançada no ano passado –, Janguiê se considera, antes de tudo, um educador. Por isso, promove palestras para contar sua história. Nessas ocasiões, realiza sorteios e organiza uma fila para tirar “selfies” com a plateia. “Quero estar entre os melhores”, afirma o ex-engraxate. “Só o impossível é digno de ser sonhado.”
Fonte: http://istoe.com.br/o-engraxate-que-virou-um-bilionario-da-educacao/